Outubro continua a todo o gás e desta vez debrucei-me sobre dois jogos que tentam adaptar a exploração de masmorras e o estilo roguelike a novas perspetivas, com um dos jogos a tentar ser uma porta de entrada para o género e o outro a procurar um foco mais narrativo e familiar. Mas serão dois jogos que merecem a vossa atenção?
ReadySet Heroes
Entre Concrete Genie, o regresso de MediEvil e o lançamento há muito aguardado de Death Stranding, chega-nos ReadySet Heroes, um dungeon crawler assente na cooperação e pensado para os mais novos. Com várias personagens para escolher e personalizar, desafios para concluir e dois modos de jogo, que podem ser jogado online ou offline, este pequeno e adorável jogo de ação pode ser a porta de entrada perfeita para um género tão complexo e desafiante como este. Só existe um problema: falta-lhe conteúdo.
Talvez esteja a ser injusto. ReadySet Heroes não é um mau jogo, mas é, isso sim, mediado. É um dungeon crawler, com elementos roguelike, que nos coloca a explorar masmorras repletas de perigos e inimigos. Consoante o modo que escolham, têm de lutar através de 30 salas, encontrando bosses pelo caminho, e apanhar pequenas gemas que melhoram os atributos da vossa personagem. Para além das gemas, terão ainda acesso a novas armas, armaduras, magias e até a caminhos alternativos, numa aventura muito simples, linear e fácil de compreender.
Existe uma grande aposta na personalização e no seu aspeto cartoonesco, que conta com cenários muito coloridos e animados, e ainda com animais adoráveis como as suas personagens, sendo fácil de perceber de que se trata de um jogo para os mais novos. Através da conquista de desafios, temos acesso a novas personagens, mas também a acessórios que podemos equipar nos nossos guerreiros. Há, portanto, uma sensação de progressão, mesmo quando o jogo se assenta na repetição constante.

Como se trata de um roguelike, ainda que muito simplificado, ReadySet Heroes coloca-nos em masmorras assentes no desafio, apresentando quatro cenários distintos, como uma floresta e um cemitério, onde temos de eliminar os inimigos ou resolver um pequeno puzzle para passarmos à sala seguinte. Quando morremos, perdemos todo o progresso feito e voltamos à estaca zero. Mesmo com três vidas, ReadySet Heroes consegue ser desafiante se não estivermos atentos ou se escolhermos as armas erradas. E no que toca ao armamento, existem diferenças palpáveis entre os vários tipos de armas, desde a sua velocidade até ao número de golpes por combinação.
Apesar da sua simplicidade, e de ser inicialmente divertido, ReadySet Heroes é muito repetitivo e limitado, faltando-lhe a profundidade necessária para um jogo deste género. Existem poucos tipos de armas e equipamentos, as magias são desinteressantes e as combinações são lentas, existindo uma pausa irritante entre ataques. A movimentação é eficaz e conseguimos sentir a progressão do jogo, com as personagens a ficarem visivelmente mais fortes, rápidas e resistentes à medida que avançamos, mas as salas repetem-se a um ritmo alarmante. Não há um cuidado no design das masmorras e na disposição dos puzzles e das armadilhas. Quando jogamos uma vez, percebemos facilmente de que há pouco para ver.

É um jogo para principiantes. É “O meu primeiro roguelike”. Mesmo com modos online, que não consegui experimentar devido à falta de jogadores disponíveis, e com a aposta na cooperação, existindo um modo que culmina com um combate entre os vários jogadores, nunca senti que ReadySet Heroes fosse empolgante. É ocasionalmente divertido, especialmente com amigos, mas é um jogo para se jogar uma vez e parar. Não existem grandes motivos para regressar. É vazio e parco. Com o apoio certo, poderia ser um jogo em constante evolução que daqui a um ano seria perfeito para os jogadores de todas as idades, mas com a sua recepção pouco calorosa e com a ausência de jogadores online, algo me diz que não teremos conteúdos adicionais tão depressa. E assim será.

O código para análise foi cedido pela PlayStation Portugal.
Children of Morta
Ainda não estou completamente em paz com o meu novo amor por roguelikes, mas sinto-me cada vez mais fascinado pelo seu loop de jogabilidade e pela sua aposta no desafio. Existe ainda uma aversão ao recomeço constante, admito-o, e é por essa mesma razão que jogos como Children of Morta acabam sempre por conquistar o meu coração, eliminando a perda de itens e de progresso entre campanhas e apostando num mundo mais detalhado e numa narrativa mais presente.
No caso de Children of Morta, existe um foco delicioso na família Bergson e na relação entre os seus vários membros. Destinados a lutar contra a Corruption e a proteger a montanha de Morta, os Bergson sempre se prepararam para enfrentar o seu destino e agora que é preciso agir e parar o avanço desta força maléfica, a família une-se, divide tarefas e evolui ao longo da campanha. O que me fascina mais é a aposta na história e no relacionamento entre os vários membros da família entre masmorras, com o jogo a dar-nos novos trechos narrativos e sequências que aprofundam a união dos Bergson. Sejam momentos em que conhecemos melhor, por exemplo, o filho mais novo da família ou nos apercebemos da importância dos seus anciãos, o jogo está constantemente a criar esta ligação de proximidade com as personagens e a dar-nos motivos para os protegermos ao longo desta aventura desafiante.
Apesar do foco na história, Children of Morta é um dungeon crawler com elementos roguelike, colocando-nos em masmorras aleatórias com vários inimigos e muitos segredos por descobrir. A dificuldade é palpável a partir do momento em que entramos neste mundo belo, composto por uma das melhores artes que vi num jogo em pixel-art – de onde destaco a animação das personagens (que por vezes parece ser rotoscóspia) –, mas igualmente tenebroso, e percebemos rapidamente que teremos de ser ágeis para chegar ao fim de cada masmorra. Existe, como seria de esperar, alguma repetição nos cenários, mas os desafios são sempre intensos, com o jogo a apostar em vagas de inimigos e em armadilhas escondidas.

Outro elemento positivo é o leque de personagens do jogo e as suas habilidades especiais. Com seis heróis à nossa escolha, podemos abordar as masmorras de várias formas, desde ataques ao longe até ao combate rápido, com o pequeno Kevin. A evolução das habilidades é individual, mas não existem níveis de experiência, sendo um sistema mais próximo de um jogo de ação. No entanto, a evolução dos atributos da família é partilhada por todos, cimentando a idade de irmandade e união entre as várias personagens. A jogabilidade complementa assim a narrativa do jogo, passando a ideia de estarmos a evoluir não só a força dos heróis, mas também a ligação entre eles. Nós crescemos e a família fortalece-se nesta viagem emocional.
Estes são os elementos que tornam Children of Morta num jogo interessante e facilmente recomendável. A ideia de família, a presença de várias personagens com habilidades diferentes, mas também com desvantagens empolgantes (como Linda, que se cansa ao andar e ao disparar setas), e a possibilidade de melhorar os seus parâmetros são incentivos para a exploração e o combate. Mas sem estes elementos, o jogo fica muito mais vazio e básico. Sem este foco, Children of Morta é um jogo de ação muito simples, com ataques rápidos, pequenas combinações, habilidades especiais e buffs temporários. A movimentação é satisfatória, mas nada original, e os cenários tornam-se repetitivos quando somos obrigados a revisitar as mesmas masmorras várias vezes seguidas. Os combates seguem também um ritmo muito rígido de “toca e foge”, onde temos de controlar constantemente hordas de inimigos. Neste sentido, é um jogo pouco original.

Mas se procuram um jogo de ação com elementos roguelike e com um elemento narrativo e dramático mais acentuado, então Children of Morta é para vocês. A arte é fantástica, tal como a animação, e há muito para descobrir na jogabilidade dentro e fora dos combates. A repetição é um problema constante e as limitações nos confrontos são um pouco decepcionantes, mas há um ritmo equilibrado e uma vontade sincera em explorar e em conhecer melhor esta família. É aqui que está a alma do jogo.

O código para análise (PS4) foi cedido pela Evolve.