Os jogos mudaram, já o debatemos aqui. Se nos primórdios da indústria era o desafio, tanto psicológico como físico, que definiam o passatempo, hoje o meio evoluiu para uma existência mais complexa, ainda que menos exigente. A tecnologia permitiu narrativas mais cinemáticas e o público mais vasto exigiu experiências mais acessíveis, por vezes acomodadas à vontade e ao empenho do jogador, nunca ousando castigar quem investiu 60 euros num título.
Hyper Light Drifter nega tudo isto. Na aventura da Heart Machine não há recompensas fáceis – o combate é impiedoso e a história é apresentada de forma ambígua, sem diálogos, somente painéis visuais. É exigido ao jogador que recolha as peças e que faça sentido de tudo o que vai descobrindo sem ajuda do jogo, que perceba por si só qual das quatro áreas iniciais deve explorar e por que ordem, tendo em conta as habilidades que adquiriu na aldeia central.
Por esta razão, os primeiros momentos são dominados por um sentimento de confusão e de incerteza. Não há tutoriais e não há dicas, o combate pode ser frustrante, mas a recompensa é uma experiência bastante pessoal, cuja compreensão dependerá do sucesso na exploração das diferentes áreas. As peças começam a fazer sentido com o tempo, mas a compreensão requer insistência por parte do jogador, e este é um risco que Hyper Light Drifter corre, ao depositar confiança nas capacidades de um público habituado à complacência dos grandes estúdios.

A dificuldade é um dos pontos de discussão entre os jogadores. Onde uns criticam uma postura implacável por parte da equipa de Heart Machine, outros agradecem o desafio e aplaudem o design, área da responsabilidade de Beau Blyth (Samurai Gunn). Por muito frustrante que chegue a ser, Hyper Light Drifter nunca se mostra injusto. Todas as mortes (e serão muitas) são fruto de um lapso do jogador. Este é um jogo que depende mais da evolução do jogador do que da personagem e esta é uma exigência rara nos tempos que correm.
Há, no entanto, alguns aspectos que acabam por pesar. Num jogo em que a morte é uma ocorrência frequente, o ecrã de “Game Over” e a animação de regresso ao checkpoint depressa perdem o seu encanto – a dupla da Team Meat será um exemplo a seguir com Super Meat Boy. De igual forma, o mapa pode ser criticado por ser demasiado ambíguo e pouco útil para encontrar chaves para desbloquear áreas extra, embora reconheça que seja intencional e que se enquadre com a linha traçada pelos produtores para Hyper Light Drifter; só gostava de evitar os níveis elevados de paranóia quando estou a explorar pela décima vez a mesma sala de 5 m2. Nesta altura vale a arte do jogo (a inspiração em Hayao Miyazaki é aparente), que nunca deixa de encantar.

Há mérito inquestionável em jogos preocupados em contar uma história sem levantar obstáculos ao jogador. Contudo, também o há em jogos que recuam à era dos 8 e 16-bits e os reinventam com um olhar com tanto de moderno quanto de saudoso. Hyper Light Drifter é um jogo duro, belíssimo e justo. Acima de tudo, é louvável ver uma equipa de produtores a depositar confiança nos jogadores, recusando-se a acreditar que é preciso guiá-los pela mão e tratá-los com condescendência. A variedade enriquece a indústria e fazia falta um jogo como Hyper Light Drifter.
