É uma triste sensação quando nos vemos no papel daquela pessoa que diz “antigamente é que era”. A indústria dos jogos é relativamente jovem (ênfase em “relativamente”), mas o paradigma mudou por completo na última década e meia. Se nos anos 80 e 90 jogar era para duros (leia-se geeks e nerds), na era da Xbox 360, PS3 e Wii o passatempo penetrou as tendências mainstream. Não me estou a queixar, note-se, o crescimento foi bom para a indústria; não vou ser hipster e dizer que eu já jogava “quando não era cool”, e que agora não é a mesma coisa. Mas a verdade é que não é.
Hyper Light Drifter chegou ao PC e Mac (que é o mesmo que dizer só PC; quem é que joga em Mac, sinceramente?) e, a julgar por algumas reacções nos fóruns do Steam e um pouco por toda a Internet, o nível de dificuldade apanhou uma boa fatia de jogadores de surpresa. Não tardaram as comparações com a série Souls, para muitos, uma clara influência. Ora, Alex Preston, cabeça da Heart Machine, nunca escondeu as fontes de inspiração para Hyper Light Drifter e os jogos da From Software não constam da lista, talvez por não terem sido lançados antes de 1996, como The Legend of Zelda: A Link to the Past e Diablo.
Do lado dos profissionais, John Walker do Rock, Paper, Shotgun (site que sigo e tenho em boa conta), publicou um artigo queixando-se da dificuldade do primeiro boss: “Um jogo que estava a adorar é agora um jogo que não consigo jogar sequer, tudo por causa de um boss incrivelmente difícil”. É compreensível, eu senti esta frustração com The Witcher 2: Assassins of Kings e conheço o sentimento. Contudo, nunca fui da opinião que “não faz sentido que estes confrontos não sejam opcionais”, como Walker.
Enquanto jogador, assumo que é possível ultrapassar qualquer obstáculo de um jogo com treino, inteligência e esforço. Quando não consigo superá-lo, ponho-o de lado e dou-me por vencido. Não falo de casos em que o problema é de design (TMNT de 1989), mas de jogos feitos para serem desafiantes. Não sou o típico jogador de nível Hard ou Very Hard, mas a verdade é que os jogos deixaram de nos desafiar, preferindo entreter-nos durante umas horas e contar uma história. À excepção da série Souls, dizem. Acontece que a série Souls não inventou a roda, redescobriu-a.

Talvez aqui esteja o melhor exemplo para a questão em mãos. As nossas referências enquanto jogadores foram actualizadas sem darmos conta e em vez de A Link to the Past (91), Shinobi (87) e Diablo (96), os exemplos são contemporâneas. Os jogos sempre foram difíceis, até deixarem de o ser. E não acho que não devam ser fáceis, que os gamers devam ser uma raça de gente socialmente inepta, com óculos remendados com fita-cola e acne na cara; mas também não acho que os jogos devam ter a opção de ignorar bosses difíceis só porque há jogadores que gostavam muito de chegar ao fim da história e não querem estar a morrer trinta vezes às mãos (asas?) de um pássaro de roupão e cajado.
O facto é que antigamente os jogos terminavam com frases como “Congratulations” e “You win“. Hoje terminam só com os créditos. Não faz sentido congratular um jogador que chegou ao fim a ser ajudado a cada passo. Neste mundo do politicamente correcto e da inclusão, até nos Paraolímpicos só leva medalha quem ganha. Crescemos enquanto indústria e temos jogos e experiências de várias formas e feitios – de Pac-Man a Journey a Forza a CS: GO a World of Warcraft e tantos outros -, mas nem todos os jogos são para toda a gente.

Hyper Light Drifter tem os seus defeitos (deixemo-los para a análise), mas ser demasiado difícil não é um deles. Ser demasiado difícil não é sequer um defeito por si só, apenas poderá querer dizer que não é para todos os jogadores. O que não pode acontecer é criticar-se um jogo, mesmo num artigo de opinião, por não permitir ignorar confrontos com bosses só porque não os conseguimos vencer. “No meu tempo” não havia cá dessas mariquices! E eu costumo jogar tudo em Normal, com raras excepções em que se exige um desafio mais apurado *cofcofUnchartedcofcof*. Quem quiser um Walking Simulator tem muito por onde escolher. Só não é Hyper Light Drifter.