“Façam pre-order já! E desbloqueiem este título exclusivo!”

É interessante olhar para o recente anúncio de Death Stranding e perceber que o seu trailer de oito minutos conteve mais informação sobre a sua jogabilidade do que muitas das revelações apresentadas nas conferências da E3 2019.

Talvez seja um pouco redutor apontar o dedo à edição deste ano e dizer que não houve nada – isso seria uma mentira, apesar de tudo tivemos a Nintendo a mostrar como se faz com a sua Treehouse depois da Direct. Os indies tiveram um destaque de peso, houve espaço para anúncios de novos jogos e muitas datas, relativamente surpreendentes, que vão encher a nossa biblioteca neste final da geração. Mas mesmo assim, não consigo afastar o sentimento de que faltou mais. Não foram os jogos que faltaram, mas sim as suas demonstrações e o foco na jogabilidade e na ação, em vez da leitura de telepontos com press-releases e com idiotas aos gritos.

E isto leva-me à crítica que quero apontar aos produtores e estúdios: não nos impinjam pre-orders, serviços e edições XPTO sem nos mostrarem como funcionam os vossos jogos. Enquanto que o público presente na feira pode vislumbrar algumas das novidades, 99.9% das receitas vêm de consumidores atrás de um smartphone ou computador com acesso à Internet, responsáveis pelo hype, que dão cliques a sites dedicados, que fazem números de audiências no Twitch e Youtube e dão likes no Facebook e Instagram.

Sem o acesso aos jogos em ação e às suas mecânicas, o que acho é que, para estes jogos e produtos, não deveriam sequer ser anunciadas quaisquer edições especiais ou incentivo às pré-reservas. Dou-vos os exemplos de três jogos que optaram por fazer o contrário nesta E3:

A falta de uma demonstração de jogabilidade de Halo: Infinite, o qual quero muito jogar, desiludiu-me. Mas justifica-se, porque o jogo tem mais de um ano de desenvolvimento pela frente. Já o que não se justifica é Gears 5, que teve apenas direito a um péssimo trailer dedicado à personagem principal (achamos nós) e a revelação de um modo que podia muito bem ser um stand-alone free-to-play. No final, ainda nos dizem em letras capitais “Pre-Order Now! Temos o Exterminator!

Com o jogo a sair a 10 de setembro, daqui a três meses, é quase obsceno pensarmos que não sabemos nada sobre ele. É verdade que podemos argumentar que os jogos desta série são sempre a mesma coisa, mas o mesmo pode ser dito de títulos anuais de tiros ou de desporto que incluem novidades e melhorias do interesse do seu público. Em Gears 5, porque não levantar um pouco o véu da história e do que querem fazer com a sua misteriosa campanha?

Outro caso que me arrisco a condenar é o de Cyberpunk 2077. A aparição do “Jesus da cultura pop atual” no videojogo foi fixe, adorável e de “cortar a respiração”, mas podemos fazer um pouco de rewind e reparar que o que mostraram efetivamente do jogo, foi apenas um trailer CGI e uma série de flashes de jogabilidade sem grande conteúdo? Só foi isto que vimos, juntamente com a impressionante data de lançamento, mas também ficámos a saber que já podemos fazer pré-reserva de duas versões do jogo, uma delas com um custo de 250 dólares/libras/euros.

Ao contrário de Gears 5, Cyberpunk 2077 já teve uma extensa demonstração do jogo em ação, que nos deixou testemunhar de alguma forma o que podemos esperar da sua jogabilidade. E sabemos, claro, que só chega ao PC e consolas (desta geração!!!!) na primeira metade de 2020.
Contudo, passou um ano desde a última vez que a CD Projekt RED mostrou o jogo. Um período em que, segundo a mesma, muito mudou. O jogo está, supostamente, mais maduro e sólido. Eu acredito, mas com algumas reservas.

Um título extenso e diverso como o que promete Cyberpunk 2077 ser, não corre o risco de ser “spoilado” com uma missão, por isso, ponho um pouco em causa a confiança que a produtora tem no seu próprio jogo, com a mesma a reconhecer que muito pode mudar. É difícil afastar a possibilidade de termos um downgrade como The Witcher III sofreu no lançamento e não pensar que o mesmo poderá acontecer em Cyberpunk 2077. Quero acreditar que não, mas o que vejo agora, em vez de jogabilidade é um pedido de fé – no custo de duzentos e tais dólares aos jogadores.

Não. Não façam isso. Vocês (CDPR) são bem melhores.

Para terceiro exemplo, temos outro dos jogos que mais curiosidade tinha para ver em ação e assim que a apresentação aconteceu, senti um pouco de pânico.

Marvel’s Avengers foi finalmente revelado e, ao contrário de muitos internautas, a apresentação das personagens não me chateia. É uma nova abordagem e na realidade até achei que foi uma demonstração técnica incrível (a julgar pelos artefactos que confirmam que aquilo é mesmo o motor de jogo) e mal posso esperar para o ver em ação. E este é o problema. Tenho que esperar.

A apresentação foi seguida por mais discursos de PR, promessas de um jogo enquanto serviço, que me dão déjà-vus de Anthem, e de conteúdos gratuitos, mas nada de jogo. E claro, além da data, tivemos mais um “pré-reservem já para conteúdos XPTO.”

Palavras levam-nos o vento. E quando os produtores demonstram paixão e dizem que fazem isto por nós, mas não nos revelam o produto que nos estão a vender, não dá para ignorar o fato de executivo que vestem por baixo das suas t-shirts com ícones de super-heróis.

lol #truebelievers

Mais uma vez, é difícil afastar este sentimento cínico, especialmente quando houve tanto progresso e inovações em palco este ano. Houve jogos que pouco me interessavam e passaram a interessar, tecnologias impossíveis que são agora reais, tentativas de redenção por parte de produtoras com maus lançamentos e muita comunicação transparente. Mas infelizmente, tudo isso deixou a descoberto estas estratégias. Estratégias que substituem, sem darmos conta, pagamentos avançados em jogos early-access ou campanhas de “crowdfunding”.

É frustrante. Não faço pré-reservas com muita regularidade, mas toda esta minha antecipação pelos jogos que mais quero faz-me passar o rato por cima do “Checkout” com demasiada frequência, antes dos remorsos da compra falarem mais alto. E, por várias vezes, queimei-me bem.

A E3 é o maior palco de promessas do ano no que toca a videojogos. Revelações com teasers bonitos e bombásticos já encontram lugar em eventos como o The Game Awards, ou nas agora regulares “Directs” às quais os grandes nomes da indústria agora aderiram. Se há material para levar a uma feira com a possibilidade de o colocar nas mãos do público presente, também há para mostrar ao resto do mundo, nem que seja em vídeo.

E agora estamos num mundo onde um trailer de Death Stranding nos diz mais sobre a sua jogabilidade do que conferências repletas de jogos. E estamos também num mundo onde a Nintendo, pós-Wii U, faz a única coisa que nos deixa de sorriso aberto na cara: tem confiança nos seus jogos. Por isso, mais Nintendo, menos PR.

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